quinta-feira, maio 31, 2007

Brincadeirinha, que isto de ser patrão não está para greves... Mostra-se então uma piadinha, para não se dizer que deixei o blog ao abandono.

Torna-se cada vez mais difícil arranjar assunto para escrever. Porque depois de algum tempo fora, corro o risco de me aculturar e ser menos sensível às idiossincrasias americanas. Porque posts como o anterior, embora se escrevam numa fracção de tempo aceitável, demoram tempo a levedar(*). Porque tenho medo de, às vezes, na tentativa de escrever o que quer seja, vender gato por lebre. Porque dá-me gozo reler algumas coisas que escrevi, mas sinto-me desconfortável com a falta de qualidade de outras. Porque nem tudo é passível de ser vertido num espaço que, embora vagamente confessional, enquanto protegido pela distância e pelo ecrã do computador, não deixa de ser público.

(*) Pela necessidade de registo mental prévio dos diferentes pormenores e por ter que decidir o tom que quero emprestar ao tema. O que escrevi ontem estava já prometido há semanas. Estava cá dentro desde a primeira vez que apanhei uma tarde de sol e almocei no parque mesmo à frente do hospital. Sentado num banco, senti algo opressivo e triste naquele jardim, parente pobre de todos os outros. Decidi logo que teria que escrever alguma vez sobre isso. Ficou como um dos temas que guardo na gaveta, para quando tenho mais disponibilidade para escrever e não tenho nada de mais actual para contar. Por outro lado, o deixar passar dias, permiti-me acrescentar detalhes. Nunca mais passeei pelo parque, cruzei o hall de entrada do hospital ou cedi a passagem no elevador, sem que fosse atento às situações para completar o que quis transmitir. Quanto mais não seja, o blog treina-me a ser repórter do meu próprio quotidiano, uma reminiscência vagamente socrática do conhece-te a ti mesmo!

terça-feira, maio 29, 2007


Se tiverem pouco que fazer e com tendência para a depressão devem dirigir-se à Praça Bernand Aronson, em Nova Iorque. Fica ali para os lados de East Village, ou melhor, em território de ninguém, por reclamar, entre East Village, Gramercy e Midtown.
Podem começar pelo Stuvyesant Park. Descobrir as suas árvores tristes, a sua erva rala, raquítica, aprisionada entre grades negras e arbustos mirrados, nodosos, espinhentos. Os bancos de jardim convergem para uns arbustos e silvas mal amanhados, entrelaçados numa falsa solidariedade. Não há vislumbre de flores, nem mesmo das tulipas omnipresentes em todos os outros parques. Não há outra mancha de cor que sobressaia do castanho, verde e o negro das grades. As gentes sentam-se nos bancos de olhar vago, errante, com as esperanças perdidas, entre a gordura dum qualquer fast-food e os arrotos do refrigerante ou cerveja. Os casais prostram-se, abúlicos, mal se falam, e muito menos se olham. As crianças brincam num quase silêncio opressivo, sob o olhar neurótico e extraviado duns pais que espezinham as beatas. Os esquilos são também eles tristonhos, com pelugem mais negra e esparsa. Os mendigos são mais mendigos, desgraçados.

Depois, deixem o parque para trás. Rumem ao extremo norte. Entrem no lobby do Hospital for Joint Diseases. Particularmente à semana, entre as 10 e as 3 da tarde. Encostem-se a um canto e reparem. Nas obesidades mórbidas, extremas. Nos muito gordos e nos impossivelmente gordos, naqueles que desafiam as leis da física e cujas suas formas se redondeiam, com altos e altos, nádegas que assustam. Nos doentes com artroses, nos doentes amputados, nos doentes com gibas, escolioses graves. Naqueles outros com alterações da marcha, torcidos, vergados por uma qualquer doença besta, uma síndrome tirana saída na sorte macabra duns infelizes entre milhões... Nos deficientes motores, com paralisias cerebrais, dismorfias, fácies únicos, gente que sofre. Corpos estranhos, corpos espásticos, corpos retalhados, com ferros, com espetos, com varas, engessados, com escaras, gente que espuma, que se baba, que se contorce, que estremece, que grita, gente que sofre. Vêem-se cadeiras de rodas, carros eléctricos, triciclos, tripés, andarilhos, muletas, bengalas, macas, auxiliares de marcha arrogantes que arrastam ou são arrastados por gente que sofre.

I see a darkness. De Bonnie Prince Billy. Versão Johnny Cash.

Prémio Mais do Mesmo ou Eu até Sou Contra as Deportações mas Estes Senhores de Negro...

O Supremo Tribunal de Justiça veio despachar que uma violação aos 13 anos é menos grave do que aos sete. Por isso, «critica também o tribunal de primeira instância por valorizar em demasia os crimes sexuais». Onde anda a Polícia de Intervenção quando precisamos dela?
In A Origem das Espécies

segunda-feira, maio 28, 2007











Termina hoje um fim de semana prolongado. Memorial Day. Serviu sobretudo para pôr os sonos em dia, colocar o cérebro em stand-by, abster da cafeína, estender as roupas lavadas pela casa e pedalar pela cidade.

Prémio troco os calções por uma gravata

Um pequeno exemplo do que é ser workaholic... A resposta dum amigo ao facto de ter de trabalhar no escritório ao sábado (ainda para mais num de fim de semana prolongado), É óptimo pois vamos de calções. Podemos deixar o fato e a gravata em casa.. Ainda respondi que preferia usar os calções noutro lado qualquer. Ou que preferiria a gravata aos calções se não tivesse que trabalhar. Mas não creio que tivesse percebido. São comprimentos de onda diferentes!

domingo, maio 27, 2007


Os últimos dias têm também servido para fazer as honras da casa. Com amigos vindos do Porto e São Francisco. Com jantares e brunches, espectáculos de qualidade algo duvidosa e muito, muito calor.

Apesar de estar anestesiado pelo cansaço, por uma carapaça de quem tem que acelerar todos os dias e de costumar dizer e escrever que não sinto saudades, dei por mim a contar os minutos para rever as gentes do outro lado da Califórnia. Talvez porque serão sempre escassas as oportunidades de voltar a vê-los. E porque tive a sorte de ter encontrado gente boa por aqueles lados. O jantar de quinta foi então algo especial, entre amigos, entre família que se gosta, mesmo não falando há largos meses.

O brunch de sábado foi surreal, num restaurante da Chinatown, com dimensões megalómanas, quase pavilhão, com escadas rolantes, quase kitsch, pindérico mesmo, toalhas rosa choque, cadeiras amarelas, empregados de várias fardas e hierarquias, inglês ininteligível, comida chinesa de Hong Kong. Traziam carrinhos à mesa, com todo o tipo de cestos e cestinhas, com comidas entre o pior e o menos mau. O Eric, de ascendência chinesa, teve que escolher entre os bolos, bolinhos, crepes, massas, formas gordurosas, entre molhos vários. Passei umas das especialidades, as patas de galinha.

Fica por contar o espectáculo de fim de tarde, numa igreja quase anexa ao Lincoln Center, abafada, circulação de ar nula, com música instrumental algo monótona, que irritou alguns de nós e que me induziu num estado estupuroso, hipnótico, quase doentio, que foi quase a melhor maneira de concluir a leitura do Austerlitz. O romance é assim mesmo, negro, kafkiano, claustrofóbico, sobre a busca das raízes perdidas, sobre os sentimentos de culpa de quem foi arrancado aos pais aos quatro ou cinco anos de idade. Uma das peças de ontem pretende evocar essas mesmas raízes. Foi composta por um judeu que, em tenra idade, teve que viajar de comboio entre Los Angeles e Nova Iorque, na companhia da ama, em virtudes da custódia repartida entre os pais. Uma vez que essas longas viagens de comboio ocorreram na época das deportações do Holocausto, o compositor misturou sons dos comboios europeus da altura, relatos de sobreviventes, conversas com a ama, com um invólucro quase doentio de instrumentos de cordas. Em Nova Iorque ainda se vive, ainda se fala, ainda se respira Holocausto. Sente-se ao virar da esquina ou da página do jornal, num livro ou blog que se leia.

Sufjan Stevens - Chicago

sábado, maio 26, 2007

Não tenho tido tempo para nada. Falta-me tempo. Para não fazer nada. Para os amigos. Para as músicas. Para os livros. Para não sentir culpa de não ter tempo.
Sobra o escuro do hospital. Sobra entrar às 7h30 e muitos vezes sair quase 12 horas depois. Sobra cansaço. Sobra a gravata. Sobra um calor que começa a cercar de forma inapelável, e com a sua garra suada aperta, de mansinho, cobardemente, deixando sem fôlego, sem energia.
Suspiro por andar descalço, por uns calções, por uma t-shirt. Suspiro por algo gelado. Por não fazer nada. Pela ausência de prazos, de horários Por férias. Pela mochila às costas. Pela ausência de computador. De telemóvel. Por poder dar horas ao tempo. Por não ter horas nem minutos. Pelos grandes espaços. Pelas grandes angulares. Por horizontes sem fim. Pelo silêncio. Pelo restolhar dos meus próprios passos. Pelo ouvir o vento. Pelas paisagens de sonho.
Foi tempo a mais estudar. Em São Francisco, no Porto e agora em Nova Iorque. É a escravatura dos calhamaços, da culpa, dos prazos, dos trabalhos, dos artigos para rever. É a obrigação de tentar aproveitar uma cidade que não pára.
Suspiro por poder desligar a tomada. Apagar a luz. Fechar o livro. Tapar a caneta. E deixar-me ir. De encontro ao que não sei. De encontro ao que não procuro.

quinta-feira, maio 24, 2007


Um dos índices que Portugal está acima da média. E será que os senhores do Durex se lembraram de ir ao Bloco Operatório falar com os Cirurgiões e a sua necessidade de afirmação e de status? Ficaríamos certamente ainda melhor classificados.

Falando de especialidades cirúrgicas, aqui vai uma anedota americana.
Três médicos na cafetaria do hospital apostam que os respectivos cães são os mais inteligentes. E a forma de descobrir é dar-lhes uma daquelas bolachas com pepitas de chocolate para discernirem quantos pedaços tem cada uma.

O primeiro a avançar é o do Cirurgião. Começa a comer a bolacha pela periferia, escolhendo, desbravando, dissecando, pacientemente até que restam sete pedaços. Excelente, exulta o dono.

O cão do Internista é mais analítico. E paciente. Pega na bolacha, envia-a para o laboratório, para a Radiologia, recolhe o historial todo da farinha, do cacau, elabora uma árvore genealógica, uma lista de problemas e de diagnósticos diferenciais. Acaba por concluir, depois de muita introspecção, algum sofrimento pessoal e de incomodar meio mundo, que sempre são 7 pedaços.

O cão do Radiologista é mais prosaico. Come as bolachas todas, enrola-se com as cadelas e esta' em casa 'as quatro a beber uma cerveja.


Os marinheiros andam à solta. Em grupos de três ou quatro. Farda branca. Chapelinho branco. Engomados. Na fatiota. A andar. A sorrir. Tudo tem goma. Invadiram Times Square. Começaram do Riverside, onde atracaram um daqueles monstros sorvedouros de dinheiro pelos quais o PP tanto suspirou. Seguiram pela quarenta dois, estacionaram em Times Square e fizeram uns raides temporários à 5a avenida e ao Empire State Building. Tiraram fotografias e foram retratados. Têm cara de miúdos. Fazem recordar uns filmes domingueiros na RTP, que via enquanto catraio, com o Fred Astaire, as suas serenatas e como as moças ficavam tolas quando chegava carne fresca às diferentes parvónias. Não sei se NY será alguma parvónia para estes mancebos engalanados.
Sei que, ainda que façam pose e alarguem um pouco os braços para ganhar uma envergadura que não é sua, com o ar imberbe (que ninguém lhes tira) e a farda imaculada, não conseguem meter medo a ninguém. Não é de admirar que os árabes, os vietcongs ou as tribos da Somália não lhes ganhem respeito. Até porque perante o aparato da polícia, do exército, dos marines, das barreiras, das estradas cortadas junto aos cais, mais parece que eles próprios precisam de segurança. Volto a perguntar. Afinal quem protege quem?

quarta-feira, maio 23, 2007


Num regresso a casa, quando o relógio já entrava pela noite dentro, os sentidos procuravam recuperar do impacto do concerto do Andrew Bird. Cruzava, em piloto automático, Times Square, tentando esquecer a pirotecnia foleira tão querida deste Novo Mundo. Vejo um vulto, uma cara de criança, sem ares de maioridade, comprovado pelo acne, olhar cabisbaixo, perdido, absorto nos seus pensamentos, perdido, com camisola de carapuço enfiado, parado num semáforo. Teria uns 17, 18 anos. Não faço a mínima ideia donde viria ou o que faria aquele miúdo igual a tantos outros. Nem sequer me fez confusão o seu ar assustado num sítio ao mesmo tempo baço e frenético como aquele. Gostava apenas de saber como se enquadrava neste cenário o estetoscópio pendurado ao pescoço...

terça-feira, maio 22, 2007


Um obrigado com dedicatória. Abraço.

domingo, maio 20, 2007


Ao intervalo, jogando contra os nossos temores e inseguranças, a bola atrapalhava e as camisolas eram demasiado pesadas. Eu suspirava determinado que, se perdêssemos, não poderia tirar nunca o hino do FCP. Lá o íamos ter que gramar repetidamente durante uns tempos. Lembrava-me então de uma antiga professora que tinha um cartaz dos Dragões pendurado no seu pequeno gabinete do hospital. Mas o cartaz variava consoante os humores do fim de semana. Era um cartaz pequeno quando ganhava. E um outro de dimensões generosas, orgulhoso e desafiador, desenquadrado com o resto, nos dias cinzentos das derrotas.
Ainda bem que ganhámos. Por isso, toca a arrumar os cachecóis, engomar as bandeiras, guardar as "A Bola" e os "Record" de amanhã e sentar deliciados a beber um Porto de honra. Juntem-se à festa.

Futurologia do Pobo do Norte:
Na TV, um acabrunhado jornalista dará conta que "o Futebol Clube do Porto" venceu o Clube Desportivo das Aves no Estádio do Dragão, conquistando o seu 22º título" - e mais não diz. Mostrará umas imagens de uma peixeira aos berros, um tipo desdentado com ar de bêbado agarrado a uma bandeira do FCP, o emplastro a dizer que o PC é o seu pai e uma panorâmica geral das comemorações - Portugal ficará então a saber que que o Porto só tem adeptos desdentados, bêbados e peixeiras. Enfim, são os parolos do Norte.

Tem sido um fim de semana de borlas. E espírito artístico. Começou ontem ao fim da tarde no MOMA. Prolongou-se por uma visita a Queens, onde um pintor brasileiro aproveitou um velho armazém, com vistas fabulosas de Manhattan, para transformar num centro aglutinador de uma miríade de jovens artistas, ao criar uma série de pequenos estúdios ou gabinetes. Pois hoje esses “120 artistas de 16 nacionalidades diferentes” abriram-se à cidade, escancararam as portas num “Open Studio”, compraram uns vinhos, queijo e tostas e convidaram-se a mostrar o trabalho respectivo aos pares e a quem quisesse. Serviu para ver todos os géneros de pintura, na sua maioria foleira ou muito fraca. Foi recompensador sobretudo por ver o trabalho fotográfico da Sophia e acompanhá-la no nervosismo cativante de quem se mostra pela primeira vez.


Quase de seguida, em passo apressado, sorveu-se um concerto das Cocorosie, num fim de tarde chuvoso, tristonho, pelas bandas do Financial Centre, mesmo ao lado do Ground Zero. As manas foram acompanhadas, a espaços, por adolescentes que declamaram, ou terão cantado?, poesia de rua, um tipo de intervenção urbana de artistas das comunidades minoritárias.

Entretanto continuo a minha saga de degustação de Nenhum Olhar de José Luís Peixoto e Austerlitz de WG Sebald. É portanto muita cultura, muita erudição. Puxo então dos galões, para entrar num estado nem profano nem sagrado. Os dados estão lançados. Os dedos vão cruzar-se suados. As unhas roídas. Vão sair impropérios e palavrões. Haja champanhe e cante-se desafinadamente:

sábado, maio 19, 2007

Prémio Embirrações (...cont.)

Basta pôr um pé fora da porta que a música do Ipod se torna imediatamente abafada. Ou para ser mais preciso, silenciada. Sou obrigado a girar o controlo até um quase máximo. Percebo agora os auscultadores enormes, com duas quase tigelas, uma por orelha, que cancelam o ruído exterior.

À mulher judia mais ortodoxa não é permitido mostrar o cabelo que não seja ao senhor seu marido. Como resolve então o problema sem recurso a lenço, véu, niqab, hijab ou bourka, mais característico das primas árabes? Mostra o cabelo que não é seu. Usa peruca.

Estou já cansado do engarrafamento pedonal. Farto. É aquilo que por agora mais me irrita em Nova Iorque. O ter que parar em cada esquina à espera que o sinal vermelho mude e depois enfrentar o ajuntamento que avança em sentido contrário. Há avenidas em que não se consegue andar mais do que meio minuto. O tempo parado, entre carros, entre gentes, entre sacos de compras, auscultadores, mochilas, malas, computadores, cotovelos, gente impaciente, turistas em passeio, turistas perdidos, crianças chorosas, crianças mimadas, crianças ranhosas, à espera de uma aberta no semáforo, no trânsito, do sinaleiro, é claramente superior àquele despendido a andar. Já nem falo em passear ou caminhar... Isso será um luxo para quem veio aterrar em Times Square. Mas de que me queixo eu? Consegui alugar um apartamento na maior concentração urbana de frenesim, stress, néons e ruídos de Nova Iorque. Face a Times Square, o Upper East, o Upper West, Greenwich Village, Chelsea são paraísos bucólicos, parados no tempo, quase campo, quase aldeia, quase tudo.

sexta-feira, maio 18, 2007

Andrew Bird esteve igual a si próprio. Fato e gravata. Cabelo desgrenhado. Violino na mão. Ora dedilhado ora tocado. Guitarra às costas. Xilofone. Uma voz fabulosa e um assobio que arrepia. Tudo o resto foi acessório. As tapas antes. O sushi depois. Algumas conversas que ficaram com a Sophie e um amigo, investigador em biologia da evolução. Um tema nada querido entre os criacionistas da extrema-direita religiosa americana. E estranho de ver num judeu ainda que pouco praticante, com sangue egípcio e irmã ultra-ortodoxa... Afinal de contas o criacionismo vem também no livro deles...

Deixo-vos uma música para o fim de semana. Como corolário duma semana piegas. E já agora um tema com reminiscências bíblicas. Cantado por uma judia de origens russas. A viver em East Village. New York. Cidade onde muitas referências, muitas coincidências, muitas ligações se entrecruzam, reconstituindo de uma forma dedilhada um passado colectivo quase universal, de gente que anda sempre à procura das suas raízes, à procura da sensação de pertença a uma tribo ou a um povo.

quinta-feira, maio 17, 2007


Ele esta' quase a chegar. Esta' 'a distancia apenas de umas tapas. E de um Rioja. Celebremos...
(A gerência nao tem quaisquer responsabilidades pelas imagens veiculadas no vídeo. Apenas o parasitou... Enjoy it)

Prémio Roseta a Presidente...


O país não sai da cepa torta. Anda de gatas, sempre de mão estendida. Com uma Justiça que, quando se lembra de funcionar, é aleatória. Será o maior problema português, se excluirmos nós próprios. Com uma Justiça imóvel é impossível fazer milagres. Não há competitividade que resista. Basta atentar o exemplo das pequenas empresas que vão ao charco por não conseguirem ver cobradas as dívidas. Esta Justiça tem permitindo a sobrevivência dos melhores adaptados. O que em Portugal significa os menos honestos. Compensa então ser vigarista.

Por isso não perdoo ao governo do senhor Sócrates. E do senhor António Costa. Por ter desistido. Por ter preferido a gincana política à reforma do país. Troca-se um dos ministérios mais importantes por uma “eleiçãozeca” de uma câmara falida. Uma eleição que não vai alterar nada. Apenas vender jornais, acrescentar share aos telejornais e acicatar os ânimos de bloguistas e fazedores de opinião.

António Costa torna-se mais um que fugiu, na peugada de Guterres e Durão Barroso. Por mim, saía já derrotado pela Roseta. Enquanto me lembrar, não votarei no senhor.

Mas quem saiu mesmo derrotado fomos nós todos. Percebe-se que os políticos não estão para servir Portugal. Ou o Governo. Quando muito o partido. E as suas ambições políticas pessoais.

Sei que este post soa a lugares comuns, daqueles passíveis de serem escutados numa qualquer esquina ou mercado. Mas irra que isto já chateia. O que é demais é moléstia...

Prémio Blasfémias

Via Blasfémias...

Os homens casam porque as mulheres são bonitas. As mulheres casam porque um dia serão feias.

quarta-feira, maio 16, 2007

Prémio Uma Vez Piegas Sempre Piegas


O JPP dá uma no cravo e outra na ferradura. Eu prefiro o cravo. A putativa pieguice. Isto é, prefiro a minha memória de criança. Terá sido seguramente o livro que mais vezes li. E reli. E terei vertido uma ou outra lágrima. Com as histórias do mês. Com a dignidade da pobreza. Com a solidariedade. Com as injustiças. Com a doçura e crueldade das crianças. Não sei se é piegas ou não. Sei que ajudou a formar-me. A balizar alguns princípios. Será um livro a oferecer à Maria. Ou se ela tiver tempo, a ler-lhe antes de adormecer. À atenção dos meus pais.


Não, não estou em estágio, em contenção verbal ou blackout. Ainda não me dediquei às mezinhas nem às promessas a Nossa Senhora... Não estou minimamente confiante mas também não estou pessimista. Espero apenas que este fim de semana continue mal habituado. Afinal de contas no futebol português são 11 contra 11, correm todos atrás da bola, muda aos 45, acaba aos 90 minutos, discutem todos com o árbitro, simulam lesões, fingem agressões e, no final, ganha o Porto.

Tenho andado é em lua de mel. É recorrente e cheirará a déjà vu para quem acompanhou as crónicas em São Francisco. Voltei a ter uma bicicleta. De empréstimo. Por duas semanas. E volto a sentir o prazer de pedalar, agora por Manhattan, ao longo do rio Hudson e com o pôr do sol como cenário no Riverside Park. Ou percorrendo as ruelas de Chelsea e das Village, ao entardecer, entre estudantes e namorados que se deixam ficar pela Washington Square ou avançam para as esplanadas em redor. Ou finalmente pelo Central Park onde sou furiosamente ultrapassado pelos profissionais do ciclismo.

A bicicleta dá uma estranha sensação de liberdade. Acrescenta mobilidade a quem quer visitar, possibilita calcorrear mais quilómetros, bater mais ruas, ver mais gente com um esforço mínimo. Dir-se-ia que está bem adaptada aos preguiçosos. Ver mais por menos. Ainda para mais com a sensação que se faz exercício físico. Atenuando a culpa de quem é guloso... E potenciando o apetite de quem tem que fazer o jantar logo a seguir!

domingo, maio 13, 2007


Não seria possível perderem os três? Por decreto? Passava-se ao campeonato seguinte. Next?

Quando escrevi milhões de almas solitárias não pretendi ceder à tentação poética. E sabia o risco de parecer pindérico. Nestas cidades gigantescas a solidão é enorme. Brutal, mesmo. Pela dimensão da cidade, pela agressividade competitiva do emprego, pela ausência de vínculos sociais, pela inexistência de raízes, pela fragmentação das famílias.

E numa sociedade americana de imigrantes e migrantes, que vivem em terras diferentes daquelas onde estudaram e daquelas outras onde nasceram, este fenómeno torna-se mais visível.

Acresce a isto a pressão social da busca pelo sucesso. E o sucesso na América é o sucesso pessoal. É o Santo Graal desta gente. Ou se é bem sucedido ou não se é ninguém. E não dá sequer para olhar para trás com risco de ficar fora da corrida. E é a pressão dos media e da sociedade para se ser saudável. Elegante. Bonito. Com riso e pele imaculados. As pessoas não podem ser elas próprias. Têm que ser o que a sociedade espera que sejam.

E a tudo isto respondem com produtividade. E rentabilidade. E uma carapaça de simpatia de espessura mínima. Que os leva a ser agradáveis e corteses nos primeiros cinco minutos. Mas que se esboroa logo a seguir, depois de esgotados os “awesomes” e os “amazing” da praxe.

Talvez por isso proliferem as empresas de encontros ou “datings”. E meio mundo se refugie nos auscultadores e óculos de sol. Seja evidente a dificuldade em lidar com a proximidade nos elevadores ou metro. Haja uma relação quase humana com a cachorrada, que tem direito a guarda roupa completo, hidroginástica e sessões de relaxamento. Haja frenéticos a consultar o email em todo o lugar público, quem vá no autocarro a ver televisão e quem esteja a jogar jogos de computador nos cafés.

Prémio Raízes

O clima é instável, o mar gelado, a terra pobre, as cidades desfiguradas, a gente dura mas hospitaleira. O bacalhau cada vez mais caro, o vinho também. Mas é tudo o que tenho e o que espera por mim. Ás vezes, sabe bem regressar. Outras, apetecia era ficar para sempre lá fora – mas nem vale a pena tentar.

Gonçalo Cadilhe
- Única, Expresso

sábado, maio 12, 2007

Prémio Silêncios Numa Grande Cidade

Não há silêncio em Nova Iorque. Até podem existir silêncios mas não silêncio. Permanece um clamor permanente, denso, uma tensão, um bruaá, sons dispersos, carros, maquinaria pesada, passos, correrias, sirenes, muitas sirenes, construções, gemidos, gritos, timbres profundos, cavos, roucos, estridências múltiplas, música, desafinações, ruído, buzinas.

Mesmo nestas noites de quase Verão, em que uma película de suor se cola à pele, o corpo cansado clama por uma cerveja e as janelas abrem-se à cidade, suspirando por uma aragem impassível que se arrasta, trazendo apenas um turbilhão de reverberações através do ar estagnado, lembrando o resfolegar tenso de uma cidade inquieta, viva, que tenta aconchegar os milhões de almas solitárias.

sexta-feira, maio 11, 2007


Foi noite de Carnegie Hall. De bilhete oferecido. No galinheiro. Para ouvir Dulce Pontes. E os seus solos algo exagerados, com busca pelos agudos, a mostrar potência vocal. E pela opção de insistirem na reverberação ou eco da sua voz. Apesar de tudo valeu. Pela alegria do emigrante português. Pela admiração sincera de alguns italianos e espanhóis. Mas sobretudo pelas músicas de José Afonso. Que por muitos arranjos ou devaneios, estão sempre à altura.

quinta-feira, maio 10, 2007


Já escrevi sobre alguns dos tiques e manias de um dos radiologistas com quem mais gosto de estar. Com ele a animação é permanente. Está sempre em cima da jogada. Pelo humor, pela espontaneidade e pela diferença. É judeu. Como quase todos. Um solteirão de quarenta e poucos anos. Bisneto de uma antiga actriz húngara. De teatro yiddish. Que no início do século passado terá viajado pela Europa. Com várias conquistas. Fama e proveito.

Ouvir um judeu falar da família, de tudo o que anteceda o Holocausto é raro. Segundo me disseram. Falam que são originários da Ucrânia, Polónia, Israel, Alemanha e pouco mais. Não sei se não gostam de falar ou recordar.

Penso que recordar, recordam sempre. Aliás não deve haver povo com a memória familiar e colectiva dos judeus. Algo que não deixo de considerar. Li há poucos dias algo do antigo rabino de Lisboa e das chaves que a família passava de geração para geração. Descendente dos antigos judeus expulsos pela a cegueira da Inquisição, a sua família foi sempre recordando o passado e alimentando a história. E de lugar para lugar, buscavam sempre a antiga casa lisboeta. A casa da qual guardavam simbolicamente as chaves, transmitindo-a sucessivamente. E mesmo quando pequeno e ainda longe de pensar que alguma vez voltaria a Portugal a sua avó tratava-o ternamente por portuguesinho.

Por isso ainda apreciei mais o almoço. Sentado à mesa de uma lanchonete. O que é um luxo nesta cidade. Mas o homem queria mesmo falar da avó. E das novidades que soube nestes últimos dias. Um investigador italiano contactou a irmã, inscrita num daqueles sites de genealogia. Queria saber mais da história do apelido, vínculos, relações e histórias cruzadas. Algo que consubstanciasse o flirt que a linda senhora terá tido com um dos mais conhecidos escritores do século passado, quando passeou pelas ruas de Praga. Franz Kafka, era o seu nome. E sabendo estas novidades bombásticas, o médico passou a semana em investigações febris. Com base em jornais de época, artigos vários, alguns deles comprados pela Net, chegou a ver fotografias da bisavó, então figura de cartaz. E espera agora consultar um catálogo da Biblioteca de Nova Iorque. Como perguntava ontem, “É o mundo que é pequeno ou Nova Iorque muito grande?”

Mas parte da piada do almoço foi perceber que o dito médico pode ter herdado alguns dos genes de Kafka. Pelas suas manias e tiques. Pelo seu raciocínio tão brilhante como retorcido. Dum doutorado em física. Escola médica de Harvard. E atitudes verdadeiramente idiotas. Conta ele que quando mudou de apartamento, os porteiros terão descoberto que era médico. E toca a ter aquelas conversas das maleitas, as dores de costas, as cunhas para os amigos doentes. Ele quis que achassem que era um médico autista, daqueles do laboratório, que tem mais confiança com cobaias e placas de petri do que com doentes. Pretendia o anonimato e não que controlassem as suas entradas e escapadelas (!). Por isso começou a actuar como um débil mental. Entra sempre a olhar para o chão, olhos fixos, encostado à parede, com menear fixo, passos arrastados e nervosos. Finge que se assusta sempre que o elevador toca, anunciando a chegada. Mesmo quando quer saber do correio, pergunta algo de inteligível, tipo co-co-rrrr-eeee. O disfarce idiota é tal que quando vai acompanhado para casa, tem que avisar antecipadamente as visitas. Estão a imaginar a cara dos romances de ocasião com aquele espectáculo todo. É caso para afugentar qualquer conquista...


Paris Hilton, a Lili Caneças cá do sítio, em versão nova, bonita e rica, foi apanhada a conduzir quando tinha a carta suspensa. Foi condenada a 45 dias de prisão efectiva. Segundo os advogados consultados pelos tablóides que me impingem no metro, a pena será excessiva para os standards da costa leste. E pouco habitual para o padrão da Califórnia, sobretudo se se atender que a pobre moça, não tem direito a percárias nem a comutação da pena por bom comportamento. Algum juiz que deverá estar farto do espalhafato da senhora, rainha do jet-set cujo ponto mais alto na carreira terá sido a difusão pela net duns vídeos hardcore.

Surge agora um movimento cívico (!) dos seus fãs mais assolapados que pretendem sensibilizar o Robocop, vulgo Governador da Califórnia, para alterar o destino da colunável. Mas o argumento não se baseia em qualquer injustiça, severidade, ou erro processual. Ou pela sentença ser demasiado exemplar. Segundo mais de 900 desmiolados, o erro é enclausurarem tal beldade. É que a vida é tão cinzenta e triste que quarenta e cinco dias sem a beleza platinada da senhora, tornam o dia a dia mais triste!!! Importam-se de repetir?

quarta-feira, maio 09, 2007

Os Cunhas lá foram. Aguardam-se mais visitas. Esperam-se novas amizades. Tenta esticar-se o tempo ao máximo, mas ele velhaco, foge-nos por debaixo dos pés, por debaixo do sono. Nem a miragem do Central Park, das moças bonitas me consegue afastar da atracção fatal que é qualquer colchão, um sofá, pelo fim de tarde.

É o mundo pequeno ou Nova Iorque tão grande que torna tudo o resto pequeno? Talvez assim se expliquem algumas coincidências. Como conhecer num qualquer recanto portugueses amigos dum colega da primária, da Quinta da Azenha. Ou conversar com um venezuelano, amigo dos bancos de escola dum radiologista português, nascido em Angola, criado na Venezuela e já na altura um rabo de saias... Já sabem de quem falo. Chama-se Villalobos. Já o avisei que vão encontrar-se em semanas.

Tanta gente, tanta gente e afinal de contas, tudo espremido, conhece-se meio mundo.

terça-feira, maio 08, 2007


Um pedinte em plena hora de ponta, encosta-se a uma coluna do metro.Sem alaridos ou falsos alarmes. Treme, afasta as pernas, encosta a cabeça ao poste e urina-se. Sem contemplações. Um cheiro pestilento e baço entranha sem pedir licença. Da sua mão direita, cerrada, tensa, pendem um crucifixo e um terço...







segunda-feira, maio 07, 2007

Prémio Importa-se de Repetir?

Seguia hoje em passo rápido entre dois hospitais. Acompanhava o egípcio que ofegava mais do que eu. Tentei fazer conversa, algo em que sou um imbecil encartado. Falei então como banalidade que levava umas calças de ganga, algo que não tinha visto nenhum médico de cá fazer. Não que queira ser igual a eles. Mas não pretendo necessariamente parecer diferente. E o jovem começou então com uma dissertação pontuada por zis ou zas, que é a única forma que ele sabe de começar qualquer palavra inglesa. Desliguei portanto. Só para despertar com o remate com que coroou a conversa, “Pois, nós os Europeus” Como? Importa-se de repetir? Lá por que um César terá tido um fraquinho pela Cleópatra...


Não, não é nenhuma paisagem bucólica da Toscânia. Até porque faltam os forçosos ciprestes. Mas são claustros autênticos. Do século XII, XIII, XIV. Românicos, góticos, neo góticos. Tudo aquilo que o dinheiro filantrópico pode comprar. E importar peça por peça. De catedrais ou igrejas abandonadas pela Revolução Francesa. Destruídas pela Guerra Civil Espanhola. Vendidos ao desbarato por agricultores italianos arruinados. Esses sim da Toscânia ou Venetto. Fazem agora parte do espólio de Arte Medieval do Metropolitan. Transladados pedra por pedra. Acrescidos de altares, crucifixos, paramentos, tapeçarias e outras peças arte sacra. Transformando tudo num museu que se encontra perdido na extremidade norte do Harlem...