terça-feira, maio 29, 2007


Se tiverem pouco que fazer e com tendência para a depressão devem dirigir-se à Praça Bernand Aronson, em Nova Iorque. Fica ali para os lados de East Village, ou melhor, em território de ninguém, por reclamar, entre East Village, Gramercy e Midtown.
Podem começar pelo Stuvyesant Park. Descobrir as suas árvores tristes, a sua erva rala, raquítica, aprisionada entre grades negras e arbustos mirrados, nodosos, espinhentos. Os bancos de jardim convergem para uns arbustos e silvas mal amanhados, entrelaçados numa falsa solidariedade. Não há vislumbre de flores, nem mesmo das tulipas omnipresentes em todos os outros parques. Não há outra mancha de cor que sobressaia do castanho, verde e o negro das grades. As gentes sentam-se nos bancos de olhar vago, errante, com as esperanças perdidas, entre a gordura dum qualquer fast-food e os arrotos do refrigerante ou cerveja. Os casais prostram-se, abúlicos, mal se falam, e muito menos se olham. As crianças brincam num quase silêncio opressivo, sob o olhar neurótico e extraviado duns pais que espezinham as beatas. Os esquilos são também eles tristonhos, com pelugem mais negra e esparsa. Os mendigos são mais mendigos, desgraçados.

Depois, deixem o parque para trás. Rumem ao extremo norte. Entrem no lobby do Hospital for Joint Diseases. Particularmente à semana, entre as 10 e as 3 da tarde. Encostem-se a um canto e reparem. Nas obesidades mórbidas, extremas. Nos muito gordos e nos impossivelmente gordos, naqueles que desafiam as leis da física e cujas suas formas se redondeiam, com altos e altos, nádegas que assustam. Nos doentes com artroses, nos doentes amputados, nos doentes com gibas, escolioses graves. Naqueles outros com alterações da marcha, torcidos, vergados por uma qualquer doença besta, uma síndrome tirana saída na sorte macabra duns infelizes entre milhões... Nos deficientes motores, com paralisias cerebrais, dismorfias, fácies únicos, gente que sofre. Corpos estranhos, corpos espásticos, corpos retalhados, com ferros, com espetos, com varas, engessados, com escaras, gente que espuma, que se baba, que se contorce, que estremece, que grita, gente que sofre. Vêem-se cadeiras de rodas, carros eléctricos, triciclos, tripés, andarilhos, muletas, bengalas, macas, auxiliares de marcha arrogantes que arrastam ou são arrastados por gente que sofre.

I see a darkness. De Bonnie Prince Billy. Versão Johnny Cash.

6 comentários:

Anónimo disse...

Sem bajulações. Sinceramente.
Foi importante o que escreveste.E da forma como escreveste.Os assuntos desagradáveis invariávelmente deixam-nos na defensiva."Que deprimente!" remoemos para nós mesmos.O que importa, são as outras coisas.Os corpos belos sem aqueles defeitos e maleitas obscenas, que tornam risível a ideia que lá no fundo algum Deus se rale e muito menos ame tais criaturas.O que importa são as paisagens "in", as brisas e cheiros "cool", as conversas "intelectualmente estimulantes"...
Claro que se quisermos, podemos sempre fechar os olhos...

Anónimo disse...

Desta vez o prazer é todo meu! Fiquem com uma das mais belas letras. E se ainda não viram, vejam o filme sobre o Johnny Cash.

"I see a darkness"

[FIRST VERSE:]
Well, you're my friend
And can you see
Many times we've been out drinking
Many times we've shared our thoughts
Did you ever, ever notice, the kind of thoughts I got
Well you know I have a love, for everyone I know
And you know I have a drive, for life I won't let go
But sometimes this opposition, comes rising up in me
This terrible imposition, comes blacking through my mind

[CHORUS:]
And then I see a darkness
Oh no, I see a darkness
Do you know how much I love you
Cause I'm hoping some day soon
You'll save me from this darkness

[SECOND VERSE:]
Well I hope that someday soon
We'll find peace in our lives
Together or apart
Alone or with our wives
And we can stop our whoring
And draw the smiles inside
And light it up forever
And never go to sleep
My best unbeaten brother
That isn't all I see

[CHORUS:]
And then I see a darkness
Oh no, I see a darkness
Do you know how much I love you
Cause I'm hoping some day soon
You'll save me from this darkness

Anónimo disse...

SIM PRETO OBRIGADO BABA
Não. Decididamente não é o assunto ser deprimente é estar bem escrito põrra!Se estivesse mal escrito era mais um lamento e mais valia fechar os olhos e ouvidos.Era tempo perdido.Por favor Cash se manca tá!
O filme é mais um dos que enfim Droga ,Genio,Redenção.Haja saco!E o Ray Charles ah!?È outro.

Anónimo disse...

Ó Moura sê coerente!
Estás sempre a dizer mal do Lobo Antunes, certamente não porque ele escreva mal, mas por via dos " assuntos deprimentes", de que fala...

Anónimo disse...

O Rui escreve melhor que o sr Antunes .É meu amigo.Não é critério?! Deixa-me rir.Quantos consagrados começaram assim com amigos ...críticos.

Anónimo disse...

NÃO TIRA, dr. NElson, NÃO TIRA!

P.s.
Ás vezes nem mesmo as brincadeiras nos livram do ridiculo...