sábado, março 17, 2007

Prémio Reader Digest

Escrevo durante o voo. Viajo pela primeira vez na TAP. Muitos portugueses portanto. E muitos espanhóis adolescentes, em provável visita de estudo. Não há cá motoqueiros mal-cheirosos. O português do lado não rosnou sequer qualquer bom dia ao meu olá. É um homem novo, baixo, compacto, com barbicha à mosqueteiro, cabelo alinhado para trás, com gel, um daqueles inenarráveis fatos escuros, com riscas finas brancas, gravata também ela às riscas, com amarelos, castanhos, padrões laranja, riscos azuis, sapato preto de biqueira achatada, com um volumoso livro das Selecções. A tudo acrescia a característica mais portuguesa, mais universal, que faz do português um espécime inconfundível em todos os recantos terrestres. Se houvesse um concurso não sobre o Grande Português, mas antes sobre A Grande Característica dos Portugueses, que os distingue de todas as outras tribos ou povos, esta viria em primeiro lugar. Destacadíssima.

Mais que o desenrasca, a desorganização, alguma matreirice, o deixar andar, a capacidade de planeamento e de visão à merceeiro, o que se destaca no arquétipo do português típico, como este que se senta ao meu lado, é mesmo a hipertrofia da unha do dedo mindinho... Sem mais. Onde ela existir, independentemente do fuso horário, da região do globo, do clima, da latitude ou longitude, da altitude, seja deserto, estepe, floresta tropical, oceano de gelo ou alta montanha, seja um moquifo, um hotel imberbe no Nordeste Brasileiro, uma loja de massagens tailandesas, uma tinturaria mal cheirosa de Marrakesh, as praias de Goa, os glaciares da Patagónia ou apenas num café de pescadores perdido no Atlântico com vista sobre o Pico, estará lá um português.

O bigode continua a fazer sucesso entre a emigrantada portuguesa. Generoso e farfalhudo, despudorado. A emoldurar um sorriso mais ou menos desdentado. A acentuar o rosto cansado, moreno, queimado, geralmente suado. A barba está também rala, por desfazer. O cabelo não anda lá muito lavado.Temos então o retrato minimalista e injusto do português emigrante. É o emigrante humilde. Trabalhador. Muitas vezes injustiçado. Perdidos entre duas realidades. Imagino o ser-se imigrante como aquelas cicatrizes ou tatuagens que não têm volta. São estrangeiros sempre. Desadaptados. São emigrantes no seu país e naqueles onde vivem. Tornam-se estrangeiros de duas pátrias. Comparando muitas vezes as duas e vendo apenas os defeitos de ambas. Honra seja feita aos nossos emigrantes. E aos imigrantes também. Independente dos defeitos, da necessidade natural de afirmação, do gosto dúbio pela cultura mais pimba do país, são alvo da minha profunda admiração. Nenhum de nós imagina pelo que passaram. Ou passam. Como querem voltar às raízes, e se encontram presos pelos filhos. Como onde quer que optem por ficar, sentem que perdem sempre quase tudo.
Só por eles é que quero que o Benfica perca por poucos, quando joga fora da protecção da FPF.

Mas não se julgue que o avião acaba nos emigrantes. Não. Em todos os aeroportos, sempre que regresso a Portugal, identifico também, desde logo, os betos, os queques, os snob. Mas, na sua maioria, os portugueses benzocas que viajam são sempre mais excêntricos que os que tomam chã ou lêem o Expresso sob a vigilância das tias da Foz ou Cascais. Têm que ter sempre uns óculos de sol super cool, uns sapatos radicais às cores, uma camisola ou camisa arrojada, um casaco caríssimo super fashion. Por que temos que exportar broncos ou excêntricos gayzolas? Onde estão os portugueses neutros, com o seu desenrasca e criatividade, mas sem terem que ser necessariamente uma caricatura?

1 comentário:

Anónimo disse...

"Só por eles é que quero que o Benfica perca por poucos, quando joga fora da protecção da FPF!!!!!"
Adoro a tua generosidade! É um orgulho ter assim um irmão tão altruista!!!