O deserto já não é o que era. Ou pelo menos nunca foi... Depois de cinco dias passados a fazer centenas de milhas, com mudanças automáticas, entre parques naturais lindíssimos, fazendo caminhadas fantásticas, ora abaixo do nível do mar, no local mais quente do planeta, rodeado por uma lagoa de sal inesquecível, ora passando dos 2 mil e quinentos metros, fazendo autêntico alpinismo, sobre uma falésia arrebatadora, agarrado apenas a um cabo de aço... Como dizia, depois deste tempo todo a ouvir-me apenas a mim próprio, ao meu ipod, ao turbulento ruído do tecto de abrir, continuo igual. Nem tirar nem por. Nem dúvidas filosóficas, nem temores existenciais, nem questionares metafísicos, nem incertezas futuras. Nada. A única coisa que está mais apurada é mesmo a relação com a máquina fotográfica... Confundindo os presets todos, claro. E esquecendo de voltar a colocar as definições iniciais depois de fazer qualquer alteração. Assim, saem dezenas de fotografias com um ASA 800, outras com uma correcção de sobre-exposição, outras de sub-exposição, outras em que me esqueci do autofocus e por aí em diante. A vantagem mesmo é que a máquina é boa e os restantes automatismos corrigem a azelhice do fotógrafo e depois as paisagens são o que são. Esmagadoras.
O facto de passear pela américa um pouco mais profunda, das estradas intermináveis, dos cruzamentos sempre iguais, polvilhados de macdonals, wendys, walmarts ou walgreens, de parques e parques para autocaravanas ou roulotes, de atravessar a I-15 onde ultrapassei mais camiões TIR que estabeleciam a ponte Sal Lake City-Las Vegas- Los Angeles do que no resto da minha vida, de cruzar a mítica estrada 66, de comer apple pies em lanchonetes ou uns ovos mexidos num restaurante estafado, de servir um café numa qualquer bomba de gasolina anódina em que inevitavelmente os empregados não percebem uma palavra de inglês e não sabem indicar uma direcção credível para o pedido de informação mais simples do mundo, tem também recompensas. Ontem num café no sopé do Zion National Park, a empregada ofereceu-me o café. Porque sim, respondeu. Apeteceu-lhe. E eu fiquei sem jeito. Hoje, escrevo a beber um vinho de Bordeux, oferecido por um jovem holandês que trabalha num motel junto ao Joshua Tree. Após ter-me possibilitado ficar no último quarto disponível, uma suite de 150 dólares que ele converteu em 75. Depois de me ter perdido, de ter guiado mais de 700 km, sendo que os últimos 100 foram particularmente penosos pois não sabia se estava no sentido certo (sim pode-se dizer que tive cinquenta por cento de sorte... para compensar os 5 dólares “perdidos” no jogo de Las Vegas), foi particularmente recompensador. Isso, e uma fotografia duma árvore Joshua, ao luar, um luar de letras grandes, garrafais, pleno, como só pode ser no deserto, a lua cheia, sem nuvens.
sexta-feira, outubro 06, 2006
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2 comentários:
Mesmo contando com a azelhice do fotógrafo, estou ansioso por ver as fotos!
Anda rápido!
Pedro
Faltam apenas três dias para matares saudades daqueles de quem mais gostas. Prepara-te Princesa para seres devorada pelos beijinhos do Ruca!
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