sábado, outubro 07, 2006



Ando a adiar há dias. Por falta de inspiração ou de vontade, não sei. Queria um encerrar do blog “à maneira”. Com um belo texto de balanço. Mas o engenho e a arte têm rareado por estes lados. Nada. Tudo muito forçado, muito esforçado, muito transpirado, mas pouco mais. É sempre difícil colocar um ponto final. Vou sentir saudades de muita coisa que fica destes 6 meses.

O blog vai acabar. Não há volta a dar. Desde o nascimento que tinha um prognóstico reservado. O propósito estava claramente definido. Acabaria e acaba com o meu regresso. Foram horas e horas de dedicação. A escrever. A ler os comentários. A preparar as fotografias. A fazer vídeos. A escolher músicas. A seleccionar títulos. A ler outros blogs. A aprender a mexer na própria internet. Fi-lo por vocês. Só assim é que faz sentido. Mas fi-lo também muito por mim. Gostei muito de o ter feito. Tirou-me tempo mas deu-me muito gozo, muito prazer. De escrever e ser lido.

O saldo é claramente positivo. Foi bom ter voltado a escrever. Por gosto e prazer na maioria das vezes, raros dias por obrigação. E confirmou algo que estava adormecido há muito tempo. Que apesar de ser um médico a tempo inteiro e um viajante por vocação, existem outras vertentes que quero, que preciso de preencher. O blog veio levantar essa lebre.

O blog foi evoluindo. Como eu próprio. Inicialmente procurei contar o que ia fazendo, as idiossincrasias, as pequenas surpresas e as bizarrias que a sociedade americana em geral e o microcosmos de São Francisco em particular me suscitavam. Eram pequenos apontamentos, na sua maioria tentando ser espirituosos e resumidos. Depois, à medida que me fui integrando, fui conhecendo gente, estabelecendo pontes e amizades, passei a a descrever menos o que ia fazendo e observando. A forma tornou-se então mais cuidada. Mais elaborada. E passei a verter mais o que pensava do que propriamente o que ia fazendo.

Gostaria de agradecer. A todos os que leram. Que comentaram. Que apoiaram. Que criticaram. Só escrevi porque fui tendo um público. Sempre atento. Sou obrigado a agradecer particularmente ao meu pai. Que tinha a preocupação de se levantar mais cedo, não fosse o filho enganar-se numa vírgula, num acento ou num erro ortográfico mais vexatório.

De qualquer das maneiras, este blog foi sempre escrito em cima do joelho, sem rede. Por isso quase tudo surgiu cru, por fermentar. Sem grandes cogitações ou elaborações. Muitas vezes comentei na hora. Com as respectivas consequências, em termos de conteúdo, forma ou rigor. Só por duas vezes imprimi e corrigi o texto. Foram talvez os dois pedaços com maior pretensão literária. Tudo o resto foi escrito de rajada, com alguma voracidade. Lembro-me de algumas vezes ter escrito inclusivamente na sala de leitura de exames. Enquanto deixava os residentes e os especialistas entretidos com os inúmeros nódulos pulmonares estáveis e sem interesse ou as artérias acessórias ou substitutas, o meu pensamento estava noutro lado qualquer, mais preocupado com uma frase, com um comentário, um parágrafo ou um sinónimo.

Pretendia fazer um resumo. Do que foi positivo ou negativo. Da cidade. Do hospital. Dos passeios. Do clima. Dos cafés ou restaurantes. Da comida. Dos concertos. Dos americanos. Da sociedade americana. Do modo de viver por estas bandas. Da facilidade de se estabelecer novos contactos, novas relações e de como elas são facilmente desfeitas pelo tempo, mobilidade e distância. Da dependência do blog, do mail e da internet. Dos milhares de horas passados a ouvir música. Pretendia mas não sou capaz. Falta-me já disponibilidade. Estou já com a cabeça na despedida que vou ter amanhã. E, sobretudo, no regresso.

Está na altura de voltar a casa. Não ao 1221 A da Segunda Avenida, São Francisco, mas a casa, Casa. Vila Verde. Valbom. Gondomar. Ao hospital de São João. E ao Porto. Vai ser bom voltar. Sinto falta de abraçar todos aqueles que gosto. Mas vou ter saudades do que deixo. De uma cidade pela qual me apaixonei. Na qual adoraria viver se tivesse outras coordenadas geográficas. Dos amigos. Tive a sorte de conhecer pessoas extraordinárias. E de ficar amigo delas. Volto a agradecer a bondade e a disponibilidade. Tornaram a estadia em São Francisco muito mais recompensadora e inesquecível. Deixou de ser a uma cidade na Califórnia, para ser a cidade onde estão muitos amigos.

Obrigado António. Karen. André. Rochele. Rita. Alexandre. Sílvia. Cedric. Geraldine. Marta. Markus. Vincent. Laurence. Iann. Sophie.

A volta das caravelas vai ser então mais dolorosa. Implica uma perda maior. Muito maior. Mas como já escrevi anteriormente, só perde quem ganha. Penso que ganhei muito. Ainda não sei o que perdi. O balanço definitivo ficará por fazer. Ainda não tenho o discernimento que só o tempo e a distância concedem.

Adeus a alguns. Até já a muitos outros. Estou quase aí. Ao virar da esquina.


PS...
Vou deixar aqui, uma vez mais o meu mail (r.cunha@yahoo.com ou ruihsj@yahoo.com) . Sobretudo para os poucos que vieram cá ter por acaso ou distracção. Fica a minha referência para escreverem quando quiserem. Estejam à vontade. Gostava muito que escrevessem. Sempre seria mais um ponto positivo daquilo que representou o estágio em São Francisco. Em Portugal fazem-se também muitos e bons amigos. Posso orgulhar-me dos meus. Não são piores nem melhores que os dos outros mas, por qualquer motivo, por força das circunstâncias ou destino, por felicidade ou infelicidade (para eles), são meus amigos. Mas ao contrário da sociedade americana, em que tudo está em constante mutação e mobilidade, com gente a chegar, a partir, em trânsito, por semanas, meses, anos ou para sempre, em Portugal a nossa rede de conhecimentos e amizade fica estável, cristalizada, por tempos indeterminados. Por isso, talvez, o conceito de amizade e da família está muito mais enraizado e somos mais ciganos na forma de ver os nossos e os outros. Por isso gostaria que escrevessem. Para acrescentar novas teias, novas redes de conhecimento e, quem sabe, de amizade.

2 comentários:

Anónimo disse...

UM REGRESSO MUITO, MUITO FELIZ!
OBRIGADA PELOS BELOS E INESQUECÍVEIS MOMENTOS QUE ME PROPORCIONASTE AO LER OS TEUS TEXTOS.
BENVINDO,AO SEIO FAMILIAR, A CASA AO TRABALHO...AO QUOTIDIANO.TENHO A HUMILDADE DE PEDIR
DESCULPAS POR QUALQUER EMBARAÇO QUE POSSA TER-TE CAUSADO.O QUE ESCREVI A TEU RESPEITO...É O QUE SINTO! ÉS PARTE DE UMA FAMÍLIA QUE MUITO CONSIDERO E RESPEITO.
BEM-HAJA
R.A.

Miguel Pereira disse...

Que pena que o alien volte a ser terrestre...
Confesso que acompanhei este blog quase desde a sua nascença, penso que li todos os seus posts e reconheço que foram bons momentos conhecer talvez melhor alguém que recordo da faculdade. É mais uma pégada nesta intricada rede que espero não desapareça com o vento. Rui desejo-te um óptimo regresso à "base" e deixo-te aqui um sincero agradecimento pela experiência que partilhaste com os leitores. Um abraço caloroso!