domingo, abril 22, 2007

Os deuses ou os feiticeiros deliberaram. E esforçaram-se. Limparam Nova Iorque com as chuvadas da semana passada. Testaram a paciência e o espírito de sacrifício dos demais com o frio, a neve, o vento cortante. Impuseram um manto de nevoeiro pesado e um cinzento deprimente. Mas os deuses sejam eles monoteístas, politeístas, agnósticos, pagãos ou ateus têm muita força. E são orgulhosos. Todo este passado opressivo recente, zangado, serviu os seus propósitos. De reforçar a crença nos seus poderes, desmandos e caprichos. E assim, neste sábado de 21 de Abril de 2007, as divindades de um qualquer Olimpo deliberaram. E intimaram as hordas de bárbaros para a chegada da Primavera. Numa Nova Iorque de cara lavada. Em que as árvores tristonhas e despidas dos últimos meses perceberem que tinham de se engalanar. E as mais vaidosas delas desataram a florir com uma força despudorada. O céu tornou-se azul, com esparsas nuvens. As suficientes para darmos o valor a esta dádiva do bom tempo, do calor. Nova Iorque veio para a rua. Os carrinhos de bebé foram convocados. Famílias inteiras remexeram os jardins. Tacos de basebol, bolas, patins em linha, luvas, brinquedos vários saíram dos baús. As mantas vieram das arcas dos arrumos. As sandálias, as chinelas. Os livros tornaram-se mais aprazíveis. As cestas das merendas rangeram de novo. A primavera surgiu em força hoje. Luminosa. Alegre. Refulgente. E trouxe as mini-saias consigo. Os ombros e os decotes. As sandálias, os calções. Caras bonitas e sorridentes. Foi possível cheirar novamente a relva. Deitar. Olhar o sol de frente. As árvores voltaram a ter sombra, embevecidas que estavam com as cabriolas dos esquilos, os saracoteados da passarada e os primeiros passos trôpegos da miudagem. Hoje Nova Iorque foi menos aquela cidade dos velhos que tenho visto. Uma cidade triste e marcada pelos cachecóis, guarda-chuvas e bengalas. Não. Hoje foi a revolta dos mais pequenos. A filharada veio para a rua e trouxe os pais atrás. Os casais novatos puderam mostrar os rebentos aos amigos. À família. Os cães passearam os donos. Voltou a namorar-se. Regressaram as caminhadas e fotografias. Os gelados. Voltaram os vendedores do rua, hoje com música árabe aos berros. Vieram os artistas de passeio, as inevitáveis flautas dos andes, os vendedores de banha da cobra. Os restaurantes invadiram as ruas. As esplanadas apareceram não se sabe de onde. Os óculos de sol e o inevitáveis bonés passaram finalmente a fazer sentido.

Pude ler um livro ao sol. Primeiro deitado na relva do Central Park. Depois, mais tarde na companhia dum “cafe latte” e duma Anchor Steam num banco dum café. Daqueles bancos de jardim, virados para a rua. Por duas horas vi desfilar as gentes do Upper West Side. Gente de todas as cores, todas as raças, todos os credos e condição social. Vestida de inúmeras formas, com caminhares vários, estado de espírito diverso, posturas díspares. Mas todas elas entregues ao capricho dos Deuses. E, no fundo, reconhecidas pelo “Seu” bom humor passageiro.

5 comentários:

Anónimo disse...

Depois de ler as tuas crónicas, que é o que são, invejo a tua escrita. Como eu gostava de escrever assim. Acho um desperdício perderes tempos com as radiografias...

Anónimo disse...

É um desperdício perder tempo com radiografias?
Também acho!...

Anónimo disse...

o que a blogosfera quer realmente saber sobre a Primavera NY2007 tem a ver com o que se passa entre o alien e a Joaninha....

Rui Cunha disse...

O Alien cozinha. E a "Joaninha" arruma (a) confusão!!!

Anónimo disse...

Sim, Alien com maiuscula!