segunda-feira, abril 02, 2007

Nos hospitais americanos, durante a leitura dos diferentes exames dos vários doentes conversa-se resumidamente sobre algum tema. Conversa fiada. Cheap-talk. Na maioria das vezes sobre o que se fez no fim de semana. Ou o que se vai fazer. São perguntas ensaiadas pela enésima vez. De circunstância. Era assim na Califórnia e é assim na costa Leste. A diferença maior é que por estas bandas, dentro destas perguntas quase retóricas, está também incluída a religião. Cada um a perguntar ao outro, o que celebra a religião respectiva, quando festeja o quê, como festeja quando, o significado e a importância do quê. Questionam-se as especificidades de cada religião. O valor de cada nome. Se um é sefardita, se o outro é ortodoxo, se é judeu descendente de egípcios, se está casado com um árabe...

No “Serviço” perguntaram-se se em Portugal se falava do "Passover" ou se vinha referido nos jornais (1)!

Estranharam quando lhes respondi que não. Que quase não se fala de religião em Portugal. E muito menos em conversa de circunstância. E que em mais nenhum outro sítio tinha sentido tanto a presença das religiões no quotidiano das pessoas como aqui. Que nós, afinal de contas os ironicamente infiéis, optávamos preferencialmente por falar de futebol. Poderia ter acrescentado que também adoramos dizer mal do chefe, contestar o governo ou criticar o povo portugûes, o outro (2). Mas já os tinha chocado quanto baste... Perguntaram se não falaríamos por ser assunto tabu. Não, nem isso. Não falamos porque não falamos. Temos todos uma costela apostólica romana. Que não cultivamos mas também não questionamos...

(1) Não será por acaso que na planificação do serviço não há qualquer judeu envolvido nas actividades clínicas na próxima semana.

(2) Nem de propósito, o excelente post do JPP no Abrupto sobre o que ele chama o salazarismo difuso e o politicamente correcto. Fica o link e um extracto:

Muita gente "politicamente correcta" pensava que este "salazarismo" era conversa de taxistas, sem perceber que também era conversa deles. Dêem-lhes um político severo, austero, sacrificado, falando contra a política e os políticos e esse político será popular entre as mesas de café, as cartas dos reformados ao Correio da Manhã contra os "ladrões", os ouvintes genuínos do Fórum da TSF, e as mil e uma expressões populares da demagogia entre "nós" (os trabalhadores esforçados que nunca meteram uma baixa fraudulenta, nunca beneficiaram duma cunha, nunca quiseram fazer uma marquise, nunca receberam qualquer dinheiro sem pagar factura por aqueles trabalhos na canalização, etc., etc.) e "eles" (os ladrões dos políticos).