Prémio Despertar Quase Perfeito
Domingo. Dia de congresso, curso ou conferência, como queiram. Dia de levantar às 7h, enfrentar o sono de uma noite mal dormida. Resquícios de uma semana cansativa, talvez. De uma semana a jantar em restaurantes tailandeses, japoneses, libaneses, italianos da Sardenha e mediterrâneos (simplica-se "por decreto" os restaurantes da cintura do Mediterrâneo, como gregos, cipriotas, turcos ou israelitas)... De uma semana a percorrer uma paleta de cores, cheiros, texturas, paladares. Uma caleidoscópio de sabores variados, sejam eles em forma de carne, peixe, marisco, queijo de cabra, pesto, acompanhados de melhor ou pior vinho, sangria ou simplesmente água. Para chegar à conclusão que todas as cozinhas podem ser deliciosas, mas que ficam sempre a perder com a portuguesa! Sejam os séculos de história, de tradição de um povo agarrado ao seu mar e campos, rural e apegado, com necessidade de imaginação para driblar a contingências das estações, dos caprichos da terra e dos humores do mar salgado, fazendo milagres nos tempos de fartura ou de vacas magras. Sejam a paciência, dedicação, o lavor de dar horas a fio a um cozinhado...
O tempo médio de espera num restaurante daqui é , no máximo, um terço do que se espera em Portugal. Tirem as vossas conclusões...
Mas voltando ao início, que quase me perco... Domingo. Dia de congresso, curso ou conferência, como queiram. Dia de levantar às 7h, enfrentar o sono de uma noite mal dormida. O frio de São Francisco rapidamente me sacudiu e acordou.
A oportunidade de atravessar uma cidade deserta, estremunhada, pedalando os seus parques, fez o resto. Despertou os sentidos. Injectou ânimo.
Adoptei um percurso diferente do habitual, abdicando das cores e extravagância decadente e "retro" da Haight para abraçar a fina linha traçada a esquadro dos parques de Panhandle.
Pude ver a cidade levantar-se sonolenta, de cara lavada, asfalto ainda molhado e liberto do espartilho dos carros, relvados ainda empertigados e bem cheirosos depois da rega nocturna. brincadeiras dos esquilos, a inevitável vigília dos corvos, cães passeando os donos "rumelosos". Pude ouvir os sons, os ruídos de uma cidade que acorda, que está viva, que respira, que suspira, de forma sossegada, confiante, sem pressas.
E deliciei-me com o nevoeiro. Não sei se seria a moldura ou a cena principal do quadro. Não aquele nevoeiro que costuma habitar nestes lados, vingativo, gélido, ventoso, pouco generoso. De quem está mal consigo mesmo. Não. Era mais aquele nevoeiro malandro. Romântico. Que brinca com as sombras. Com o tapa e destapa. Que acrescenta bem mais do que o que tira. Aquele nevoeiro que, com os seus fiapos, acrescenta densidade e interpretações subjectivas à paisagem. E torna-a mutável, também ela respirando em harmonia com a cidade. Lascas cinzentas que cobriam e e salientavam de forma perfeita o que havia para mostrar.
O nevoeiro pode ser, ele próprio extremamente sedutor. Particularmente para um urbano-depressivo que continua a defender que o Porto quer-se de cara tristonha, com o nevoeiro a esconder o granito dos Clérigos ou o rendilhado das suas pontes, permitindo apenas entrever as silhuetas. Afinal de contas, existe algo mais sedutor que a silhueta, as formas, a volúpia das curvas? Nem sempre ver a mais significa ver melhor. Ou gostar mais do que se vê...
Senti-me invadido por aquela felicidade fugaz de quem se julga privilegiado, nem que seja por momentos, em que as ruas, os cantos e recantos, os jardins, as casas, as colinas e os vales, as luzes e as sombras, os sons, os cheiros, concorriam todos, de forma sincopada, para se apresentarem únicos e belos para deleite quase exclusivamente pessoal, expondo-se perante o meu pedalar serpenteante, de quem se sentia bem com a vida, rejuvenescido por cada inalar daquele frio balsâmico ...
Fizeram recordar-me umas palavras de um dos animadores do blog. Que se obrigava a levantar cedo ao fim de semana para poder desfrutar do descanso. Considero isso quase um dos máximos da preguiça... E de quem gosta mesmo de viver a vida...
Um abraço
7 comentários:
Não restam dúvidas... ser médico foi a tua opção,a escrita faz parte do teu EU. É a forma invulgar de te expressares. No Brasil serias um sobredoptado... cá não sei? Que lindo o que escreveste,particularmente, hoje. Manhã, começo de um novo dia, descrito desta forma, será bom, concerteza.
Genes:
Ciências - Farmácia / Medicina
Letras - Jornalismo/Escritor
È isso aí malandro! Lasca o verbo!Eu sou do partido dos que acham que para escrever não é preciso ter experimentado.O que tu escreves-te podia ser escrito olhando um quadro daqueles ingleses meios impressionistas se é que isso existe.Não retiraria nada de belo ,apenas retiraria o aspecto de «reportagem».Bravo!
Não percebi bem a história dos super dotados e o Brasil.
"Começam aqui os escritos de um emigrante em São Francisco. Um alien como dizem nos serviços de imigração... Tentarei contar sobretudo as peripécias de um radiologista em projecto por esta cidade algo especial da Califórnia. E será em formato de blog por forma de ocupar o tempo e também poupar tempo."
Começa assim o primeiro "post", em 30 de Março.
Desde então, as pessoas foram chegando ao blog e foram ficando, desde os comentadores compulsivos e desbocados como eu e o Nelson até aos sóbrios e tímidos como alguns internos e internas do Serviço. A ideia do blog é, desde logo, original e pode ser matemáticamente enunciada. Mais um interno nas Américas a "estagiar" (aspas à VPV). Menos um interno no S. João a trabalhar (sem aspas).
Somatório de tudo isto, trabalho a dobrar para Lucindas, Nelsons, JGs e outros "braçais". Nas miseráveis pastas de cartolina, os exames nascem por geração espontânea , crescem de forma exponencial e como no pesadelo de "alien", nunca morrem!
Entretanto a literatura floresce neste blog! Pudera!... belos "smogs", desenhando "curvas voluptuosas" , baguettes com conteúdos e molhos obscenos, escapadas para locais idílicos sem polícias de costumes...
Até eu!... que bem vistas as coisas, também tenho uma alma sensível...
PS
Convem que te dediques à Radiologia. Embora escrevas cada vez melhor, tirando o Nelson, eu , os internos, o Sr. Teixeira, o Emplastro e a claque dos Super- Dragões, quem mais iria comprar a tua Antologia poética?
Adoptando o jargão futebolístico... O Rui não pode neste momento responder à provocação do Mister, dado que se encontra ainda na pré-época, mas vai tudo fazer, para corresponder dentro do campo, lutando com a equipa para conquistar os três pontos, que é o mais importante.
Serei curto.Serei profético.Serei o que nunca serei.Sereia o que não se nomeia.
Todo o tempo que roubares á radiologia te será dado em dobro em sabedoria e felicidade.Falei e que aquele que nunca dorme te ilumine, o que nunca cospe te ampare,o que nunca come te ajude.
Dá-me um arrepio só de pensar que este profeta herege, que na sua comunhão solene foi vestido de anjo Gabriel, mas que depois disso renegou todos os mandamentos e coleccionou todas as blasfémias, possa riscar alguma coisa na esfera divina...
Sim, como é que se pode explicar as sucessivas derrotas do SLB no último minuto?
Que o PC tenha escapado à prisão?
Que o Pimentel não tenha sido nomeado Delfim da Prof?
Que o Sr. José Maria do SU, não tenha sido devolvido ao Banco Federal de Manaus?
Sim, porquê meu Deus?!...
Banco Federal!?? De esperma!?
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